terça-feira, fevereiro 13, 2007

Epílogo

Escrevo. Não. Melhor não. A vida é rota, incoesa, e por demais desinteressante. Não merece registros. Não escrevo.
Ou escrevo e então delato (me)? Ou apago e deleito (me)? Ou assino e delito (me)? Ou ignoro tudo e deleto (me)?
Não. Escrever é produzir epílogos do não iniciado. Sumarizar o diáfano. Documentar o não-acontecido. Testemunhar em falso. Dar (in)versões do impalpável. Melhor não. Definitivamente Não.


(foto: Thanatos artificialis, de Daniel Martins)

Epílogo

De um certo modo, a Sra. C. agradeceu quando a cena foi-lhe entregue inteira no monitor do vídeo de segurança. Ele esgueirou-se. Olhou em volta. Avançou através do corredor. Era meio-dia de um dia cheio de luzes. (Luzes são presentes, quando se retira a opção da treva). Alguns passos, o suor a grudar os cabelos no pescoço. Taquicardia. Olhou novamente em volta. De propósito, desconsiderou a câmera no corredor. Essa a glória dos crimes (im)perfeitos, precisam ser desvelados. Clamam para que se lhes arranquem das sombras, que se lhes exponha no cerne a cretinice ou a inteligência dos mandantes. A execução bizarra que deixa pontas. Na ponta do fio que leva ao minotauro, a obviedade de Teseu. No corredor, as dobras do tapete puido erguidas, a umidade dos tempos escuros a escorrer das paredes do hotel de quinta. Decrepitude. Ausência. Senescência programada. Apoptose. No último ato, as mãos ansiosas dele colocaram sob a porta o bilhete amarfanhado. Dava contas do passado e ria. E ria. E ria.

Tendo encontrado o desfecho necessário para concluir O Livro das Solidões Infelizes, a Sra. C. fechou-lhe as páginas e cerrou as pálpebras. Logo, a última gaveta receberia – para jamais ser editado – o seu penúltimo mau romance.

19 comentários:

i disse...

Talvez a senhora C. seja dura demais consigo mesma...

Anônimo disse...

Nossa! , que mágico o encontro das palavras que envolvem seus textos e poemas...d+,adorei..Abrçs
jefferson p.

diovvani mendonça disse...

C escreveu!? Viva!!! C sabe, desenrolar as linhas do novelo da vida, e, fazê-las virarem bons escritos. Acho que, estou de acordo com o 1º comentário. Some, não, viu? AbraçoDasGerais.

E.T.: bom feriado.

Lu disse...

Há dias passo por aqui, mas a Lua parece não querer fazer tânsito em Libra. Então espero... eis que o arcano de hoje traz uma carta enigmática, mas não quero decifrá-la. Deixo que a própria vida desvende seus mistérios, minha Lia, assim como devemos permitir que a escrita nos mostre o deleite, o delito e/ou o esquecimento...
Difícil é esquecer os silêncios.
Beijo na tua alma.

Edilson Pantoja disse...

Entre labirintos de corredor, câmeras de vigilância, crimes imperfeitos e clima kafkiano, a Sra C parece ter algo a dizer. A gaveta, decididamente, não é seu melhor destino. Ah (aluno de ensino médio), concordo com as palavras do Diovvani.
Abraço, querida!
P. S.: Ok, vou publicar o Sagaz e Destemido.

i disse...

Cecilia, escrevi mais um pouco sobre aquele assunto lá no blog. Acho que a situação chegou num ponto tal, no Brasil, que está na hora de buscar soluções de fato, e não apenas dar vazão à nossa raiva. Quanto aos direitos humanos, pobres deles: nunca tiveram uma chance de ver a luz no nosso país. Se tivessem sido aplicados alguma vez, talvez não tivéssemos chegado a um nível tão desesperador. Acho que é hora de começar a aplicar os direitos humanos, pelo menos para experimentar. Pode ser que dê certo.

marcia cardeal disse...

Amo teu ritmo. Dá vontade de ler em voz alta. beijo

Vicente disse...

Oi, Moça.
Seu blog (explorei toda a primeira página dele) fica entre a irrealidade mais surrealista do impressionantemente belo e a locução impronunciável que sabe à perfeição.
Excelente, Cecília.
Gostei de tudo e quisera levar muita coisa daqui, mas por enquanto me contento com duas ou três linhas do seu (excelente) eopilogo.
Se você não concordar, por favor, diga-me, para que eu retire da minha página. OK?
Doces pra você.
Vicente

Vicente disse...

Oi, Cecília.
Deu vontade de comentar sobre o seu texto "Ocos".
Não consegui. Copiei apenas o quisera ter escrito, talvez de mim mesmo: "Sou só o oco queimado querendo ficar lá, no fundo, em silêncio..."
Dulcíssimos abraços.
Vicente

Vicente disse...

Oi, Cecília.
Adorei seu perfil.
Posso ter a mesma idade que a sua?
Aguardo sua resposta.
Pra você eu deixo doces (de, no máximo uns 152 anos, tá?)
Vicente

Dalva M. Ferreira disse...

Cecile: embatuquei! não sei o que dizer, não sei o que achei, não sei se entendi ou se não entendi... aproveito a oportunidade para ficar em reverencial silêncio.

Claudio Eugenio Luz disse...

A vida, quando a gente cutuca, grandes histórias pulam para fora.

hábeijos

douglas D. disse...

ecoou o silêncio
e as palavras, vivas
no peito, Sra. C.
no peito
ardem em poesia.
bjos.

Sandman of the Endless disse...

Adorei, Cecília! Mas se quiser saber, escreva sim, viu? Me deixou saudades... Beijos ;)

Anônimo disse...

Cecília. Comecei a conhecê-la, através do poema sobre foto...
Hoje li o texto em prosa e concluí que seu jeito direto, destacando idéias, com um discurso indireto livre...é fascinante, também.
Coloquei seu endereço no meu blog, ou, melhor dizendo, "linkei-a"...
Tudo bem?
Um grande abraço
Dora

Anônimo disse...

Oi cecilia, nossa muito bom o seu escrito!nossa muito bom, mesmo!!!!beijinho e ate breve!!!!

Ivã Coelho disse...

Vamos abrir as gavetas, lançar um pouco de luz na treva infinita que esconde palavras tão fartas. Vamos!

Essas suas palavras e minha cabeça como propagadora dos seus ecos...

Beijos, menina.

Wilson Guanais disse...

adorei este Epílogo,
passe lá no cemitério depois.
beijo

Wilson Guanais disse...

tem continuação lá.