não permita que elas se inscrevam no coração.
O espírito jamais deve envelhecer."
James Abram Garfield
Era um abril do início dos anos 90 e a faculdade andava pela metade. Quem a surpreendesse no ato solitário de escrever a frase no quadro verde antes da primeira aula da manhã, apenas confirmaria que era a cara dela tal manifestação. Aquela menina esquisita gostava de discussões filosóficas e de pensar sobre os múltiplos sentidos de todas as coisas. Mais tarde, o professor leria demoradamente e então perguntaria quem havia escrito. Diante do silêncio expectante da turma, ela levantaria a mão. Ele discorreria longamente sobre o envelhecimento poder ser visto como um evento bom, natural e digno, que as rugas na face podem contar histórias e serem até bonitas. Ela pensaria haver levado uma lição e se julgaria um tanto tola. Daí, coraria. E calaria, por timidez e vergonha.
Por força do ofício escolhido, hoje ela sabe que os vincos na pele podem ser postergados, prevenidos, corrigidos por um tempo ou mesmo para sempre. Hoje ela sabe que um punhado de trabalho manual, um monte de tecnologia, uma montanha de conhecimento e uma cordilheira de bom senso conseguem resultados estupendos sobre as tais rágades. Já sobre a capacidade das pessoas de acolherem a própria velhice com respeito e simpatia, é outra conversa. Para uma cultura onde ser jovem é o que conta, onde as mães cada vez mais querem parecer-se com as suas filhas, quando seria tão mais natural o movimento inverso, o de ser tão admirável como gente que as filhas quisessem assemelhar-se às suas mães, quando os pais querem ser “pegadores” como os filhos e disputam as mesmas meninas nas festas, as rugas são importantes sim. Negar seu efeito devastador sobre esta necessidade de aparência up-to-date seria de uma estupidez sem tamanho e ela sabe disso.
Entretanto, rugas não são uma preocupação de uma menina aos vinte e poucos anos e não era nelas que ela pensava quando transcreveu tal frase. O que lhe causava um estremecimento de admiração sobre a palavra do presidente Garfield, era a parte que falava no envelhecimento do espírito. Era nisso que ela pensava, as mãos brancas de giz, as pontas dos pés para escrever bem alto no quadro verde. Era sobre a forma como algumas pessoas envelhecem – a despeito de suas rugas ou da ausência delas. Ela sabia da feiúra manifesta da senilidade do espírito quando encontrava pessoas acomodadas a aparências que as mantinham em um estado perene de semi(in)felicidade. Sabia, por algum conhecimento que nem ela comportava direito, que a velhice do coração vem da hipocrisia da manutenção de estruturas falidas nas instituições, nas ideologias, nas relações interpessoais, nas relações com a própria consciência. Sabia que a vergonha da velhice é a vergonha de olhar-se no espelho e saber poder ser melhor do que se está sendo e não empreender esforços para mudar. Apesar da pouca idade, a menina sabia que os sonhos abdicados cobravam seu preço e – fosse hoje – saberia que este valor é muito mais alto do que o custo do melhor dentre os cirurgiões plásticos, mais alto do que quaisquer toxinas botulínicas, fios de qualquer nacionalidade ou todos os preenchimentos de sulcos. Saberia que paralisar os músculos é fácil, que o difícil é alongar a própria liberdade.
Diante do professor a menina calou, por timidez ou insegurança. Mas tinha clareza sobre a velhice que haveria de ter.
Texto: CeciLia Cassal. Imagem: Claudia Azedo
18 comentários:
"Paralisar os músculos é fácil" ( deve ser, rs,rs)...difícil e magnífico é alinhavar as palavras de formma tão suave e, ao mesmo tempo tão forte.lindo texto,encantadoramente "plástico"!
grande bjo;)
não são as rugas que chegam
mas os sorrisos que faltam...
bjo.
um dia ainda vou escrever assim. demais, Cecilia, demais. beijo.
bela reflexão.
acertada e certeira
abraços e obrigado pela visita ao Casa de Paragens
Um abraço.
Gostei de tanta filosofia compartilhada, da menina aos olhos alheios esquisita.
:)
Hahaha, acabei de tomar uma sopinha.
Boa noite, CeciLia.
Ola Cecília,
Gostei da forma como expressas o que habita em teu interior. A beleza da maturidade poeticamente traduzida, mantendo a jovialidade da alma. Vou visitar teu blog mais vezes.
Eu sou o marido da Regina e tb tenho um blog. Mas a minha poesia é transcrita na forma de fotos e não de versos. Faça uma visita: torontoinphotos.blogspot.com
Abraço
Claiton
Oi Cecília!
Dei uma lida em teu blog e está muito bonito!Que nosso coração permaneça sempre eterna criança...A superfície esconde o que há na profundidade. Gostei da maneira que escreves.Voltarei mais vezes!
Beijo,angela
Olá...
Encontrei seu blog, para meu auto benefício!
Lindo tudo por aqui.
Parabéns, transformas o simples em intenso e vice-versa. Amei.
um abraço!
perfeito. Muita verdade no seu texto. Saber " fazer anos" é o que pode nos fazer mais feliz.
Adorei.
uma ruga, tristeza, outra ruga alegria. Nossas marcas na vida, nossa história.Prefiro ficar com elas.Parabéns!
CecíLia, beleza de texto e lição!
Ensaio uma volta ao blog. Abraço!
"paralisar os músculos é fácil, que o difícil é alongar a própria liberdade."
Sim. E mais difícil ainda é alongar a nossa brevidade e ir compreendendo e assimilando todas as lições durante nossa jornada até a gente amadurecer e cair do galho da vida pro mistério.
~^ Abraço ^^ ~
rugas, sob uma ótica especial, podem ser mensageiras da liberdade... bj
marcos pardim
Querida!
Não canso de visitar-te!hihi
Um abraço!
Minha querida,
Acabei de descobrir porque eu jamais precisarei ter vergonha das minhas 'ruguinhas' faciais!
Meu coração e minha alma desamassam, ficam como novos cada vez que te leio! O melhor preenchimento para os sulcos do espírito é a maravilhosa toxina da sabedoria, de contar histórias com prosa ou verso!
Saio renovada e feliz!
Grande beijo e saudade!
Nossa, esses teus finais... Valem o texto todo!
Postar um comentário