A cidade amanheceu linda e nem ainda era abril. Tivera já seus tempos de Guapuruvús, Paineiras na praça XV, Jacarandás, até o sólido amarelo dos Ipês. (Alguém já disse que as estações em Porto Alegre são marcadas pelas cores de suas árvores, e eu acho isso de uma profundeza séria). Gosto aqui de cenas que nunca enxerguei, portoalegrense de adoção. Venho do Rio dos Ameandros e nada sei dos reflexos nas vidraças, quando entardece. Da lua cheia, quando ilumina o farol de Itapuã e evade-se, marolas afora, pela Lagoa dos Patos. Nada sei da cor ímpar de seus morros em dias de chuva, da chuva sobre a Ilha das Flores, de catar misérias nas sarjetas. Mas sei que Piazzola deveria ter nascido aqui. Sua música no pôr-do-sol encontraria boas companhias e seria sempre incomum, por estes pagos. A cidade assumiu seus outonos e filtrou-se, luz limpa e ventos alvissareiros, pelas árvores da Dona Laura. Todas as ruas, todas as faces, das pétalas do Dometila à mesa de canto no Bistrô do MARGS, dos políticos do Copacabana ao cadeirante simpático que pede auxílios numa esquina da Ramiro, da mesa no jardim do Constantino ao café em pé nos bares da rodoviária. Porto Alegre é tanto mais do que a comemoração precisa pelos seus 236 anos! Pena que ainda não seja abril. Sim, porque em abril ela desfolha-se em alaranjados plátanos recobrindo os caminhos do mate, no fim da tarde do Parcão. Porque em abril ela será para sempre toda encontro nas calçadas, ramas de flores brancas em envelope de ráfia, namoros medievais. Antecipou-se, a cidade, em sua festa. Mal sabe ela, mas o tempo preciso é abril.
Texto: cecilia Cassal. Imagem: edição especial Correio do Povo
10 comentários:
Ah! se todo filho adotivo cantasse sua mãe adotiva assim, com todo esse carinho e competência lírica! Eu, mineirinha aclimatada aqui em São Paulo, amo de paixão os seus mil tons de cinza, e também procuro cantá-los (bem ou mal) em prosa e verso.
Linda nossa Porto mais do que Alegre quando descrita por esta jardineira das palavras. Em outra encadernação és uma Portoalegrense nativa.Adorei!!!!
Teu texto tem o cheiro da rua em que morei, no alto da Protásio; uma ruazinha que era um túnel de plátanos e passarinhos. Tem cheiro de domingo de manhã, tem gosto de um mate na Redenção. Saudades! beijo
Texto lindo, sofisticado, colorido e cheiroso, como Porto Alegre.
Deu-me até vontade de revisitá-la. Beijo.
em Porto Alegre vivem duas das pessoas que mais admiro na vida...
obrigada pelos elogios... fico feliz, lisongeada, toda-toda..rs
beijo
Outonamente lindo!!!
gracias por sua visita e comentário,
boa semana,
bjo
Porto Alegre, espero que seja a cidade do meu último caminhar, como Quintana - sem o talento e a genialidade dele, vamos deixar bem claro - mas, é a minha cidade, onde nasci e desejo me despedir. O outono aqui é de uma luz inigualável. Lindo, Cecília. beijo.
Tive em P. Alegre só uma vez, tenho vontade de voltar com mais calma e vasculhar essa cidade. Tive no Forum Social Mundial, quase não vi a cidade mesmo, em seu dia a dia... um dia eu volto :)
beijos
Olá Cecilia!
Gostei de seu texto sobre P.A. cidade que eu ainda devo conhecer, sempre descrita por um (en)canto especial de seus diferentes escritores.
Dessa vez postei uma poesia nova no blog para dar uma refrescada. Espero que goste.
Beijos, de minas!
Minha Lia,
Quanto tempo não bato com meus costados nas reentrâncias de tuas palavras!
Acho que ambas vivíamos outonos particulares, contudo, a primavera fora de hora parece ter furado o asfalto do nosso cotidiano.
Saudade de ti, da tua escrita, do tempo em que escrever era-me um exercício menos doído e compartilhávamos impressões.
Beijo grande na tua alma,
Lu
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