A gente prepara o ninho. Aplica em panos verde-água, acetinados pombos da paz. A gente escolhe o nome, enjoa, tem desejos insólitos na madrugada, faz manha. A gente arruma a mala, roupa de gente bem pequena e de quem ficou bem grande. A gente espera, e nem sabe pelo quanto. Numa noite, chega a hora.
Quando ele estréia, já é manhã. Chora. A gente, mais. Ele passarinho, espera com o bico aberto o leite escasso do peito doído de despreparo e medo. A gente não adora, mas talvez devesse. A gente chora. Depois, cora por ter chorado. Daí, a gente se olha. E entende tudo, o sentido completo.
A gente joga taco, anda de bicicleta-roller-pedalinho, mas nunca consegue se equilibrar decentemente num skate. A gente briga pelo tema de casa, pelo palavrão, pelo dente mal escovado. A gente canta intermináveis viagens de carro. A gente conta histórias. Depois, lê um livro e adormece antes, sobre todos os brinquedos, no chão da sala. A gente faz planos, aniversários na calçada, as caras sujas de brigadeiro e suor. E haja pai para tanto futebol e outras brincadeiras de menino. A gente pactua beijos de batom nas mãos adormecidas significando te amo. A gente volta à noite e ele ainda não lavou a mão.
Um dia, ele chega com uma menina e nem se precisa fazer nenhum esforço: sim, ela é bonita, filho. Daí, torce para que as dores do amor lhe sejam brandas. A gente é chamado na escola. Discute pobrezas e verdades. Tenta ensinar gratidão. A gente entrega confiança, mas dá uma espiada nos bolsos. A gente conversa. Combina de fumar junto, quando for a primeira vez. Depois esquece. Muito mais tarde, a gente fica sabendo, entre risadas, como foi. A gente espalha camisinhas pela casa. Casualmente, encontra uma na carteira. Usa sempre, filho? Claro! Aham. A gente recebe conselhos. Recebe cumplicidade. Recebe parceria. Quando precisa mais, recebe uma aula inteira de ética aplicada. A gente agradece. A gente briga. Bate boca. Bate a porta. Volta. Desculpa-se. A gente cresce junto.
Chega uma noite, ele diz quero ir. Mas é sonho. Quando acorda, de manhã, trocou de idéia. Mais tarde, retoma. Andou tendo umas experiências, conversou com amigos, sabe, mãe, a gente precisa cuidar da própria vida. Ah, sim...
Num belo dia, o primeiro passarinho estica uma das asas. Trêmula, a princípio, depois valente. A outra. Roça o bico nas penas da gente, então voa. (sobre este escrevi em dezembro do ano passado). Tempos depois, é a vez do outro. Quando parte, deixa atrás de si o eco nas paredes vazias e a toalha molhada sobre a cama. Um dia, aprende. Coisa boa da vida, essa possibilidade.
- Vai, filho. Voa! Só quem é muito amado pode partir.
(Para o Vinicius, com o desejo de robustas asas).
24 comentários:
Como sempre de pura sensibilidade.
Lindo.
Bjs
Re
Nem sempre todos os passarinhos partem. Por vezes o mais fraquito morre à fome porque os 'irmãos' que nasceram primeiro não o deixam comer. É assim a lei da vida, lei da selva.
Um beijinho para ti
Manuel
que lindo!!!
por conta de meus luiza e pedro, agradeço. e aos teus, desejo tudo de muito bom. e despeço-me tentando "cantarolar, com voz de pato, o rap preferido" de um deles. 1 abraço
Nossa...a maternidade nos surprrende, mesmo quem sabe q não nasceu p/ ser mãe, sente isso... la no fundo...
beijão
amei seu blog... é simplismente uma pintura... votarei...
bj
Aaaahhhh, que coisa mais linda! Muito emocionada ao ler isso. Quem me indicou vc foi a Dal, do Road not taken. A Dal sabe onde estão as melhores coisas, ela mesma, criadora de coisas tão belas quanto as suas. Meu filho saiu de casa prá estudar, há apenas algumas semanas...ainda não me acostumei...venho te visitar sempre, viu?
Beijos!
minha nossa Cecília! que texto lindo! eu...ainda não sei entender quando as pessoas partem...
sobre seus possíveis pecados! rs...absolvida está! até pq este texto...já me ganhou!!
beijo
que lindo que lindo que lindo que lindo que lindoque lindo que lindo........................!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! e agora, quando se acabam as palavras e a gente nem sabe como pendurar este texto no céu pra que todos leiam???????
mil beijos, poeta!
Oi!
Lindo!
Beijos do *CC*
Que mais preciso dizer perante a beleza e a liberdade contida neste texto de uma mãe exemplar.
que lindo !!! beijos
É isso aí...A música começa assim, não é? mas nosso coração de mãe, que sabe, não consegue muito bem entender o que significa "é isso aí!"...a gente deixa voar, as vezes até empurra e fica aqui em baixo orando pela corrente de vento - para que seja favorável - pensando se ensinou direito, pedindo o sustento da inefável Mão...Lindo texto, parabens
"Só quem é muito amado pode partir."
E agente fica sentada, apertando o xale, aninhando o coração que fica voando do lado do avesso, olhando o avião que voa de verdade...
Linda Cecília, tão lindo teus escritos, tão sentidos...
beijo
olá! muito bonito. mesmo!
Que bom ter uma mãe poeta, mas o que faz toda mão se não a mais pura e irrestrita poesia? Vida de mãe é um poema em aberto, a todo instante, esperando dor ou alegria, reservando sempre a esperança.
E cresce o mundo, que nu fundo, elas querem só guardar: filhotes, roupinhas, fotoas, desejos.
Mãe é, muito mais, é mão.
Beijos e mimos, poeta.
Que lindo esse texto, Lia.
Eu li ele faz algumas semanas.
E, agora, relendo ele me parece tão mais vivo.
E o outro guri como anda?
Bjs,
Que texto leve, poético, sábio e bom de ler menina! Pois é, estou aqui descobrindo outras letras suas. Gostei tanto, que vou copiar e imprimir; para mostrar para um casal amigo, que estão aguardando a visita da cegonha. MontanhosoAbraçoDasMinasgerais.
obs: aos poucos vou lendo seus textos antigos como se novas postagens fossem.
Estas suas palavras robustecem-me. Fico gigante.
Beijos
Imprimi para meu amigo Ronilson este seu texto e ele adorou.
Oi Cecília!
Não sei se vc vai lembrar de mim, sou a Lívia, morei com o Wagner e o Vinicius lá nos EUA. A gente até conversou no tel qdo vc ligou pra eles lá. =]
Outro dia entrei no orkut do Vini e li esse texto que vc escreveu p/ ele. Caí no choro! hehe Aí li hj de novo e chorei de novo!
Que texto maravilhoso! Lindo lindo lindo demais! Que sorte eles têm de serem seus filhos! =]
Fiquei até inspirada pra escrever no meu "blog" e queria colocar esse texto seu. Posso? Com as devidas referências, é claro! =]
Bjo grande!
p.s. Achei seu blog procurando por Cecília Cassal no Google! =]
meu email: fairy1 @ click21.com.br
Este texto é realmente muito verdadeiro. A verdade é dura, mas é verdade e pode ser escrita com delicadeza de quem soube e sabe amar. Parabéns!!!
Olá Cecília!
Que lindo texto, recheado de melodia, ritmado pela poesia,
pelo carinho da voz,
pelo amor colore o dia.
Pura Poesia,
que me silencia.
me prende o fôlego,
me acalma a alma.
conforta meus erros sentidos.
Amor de mãe...amor de texto.
Quanta suavidade...
Toda a minha admiração.
bjs
Garota:
eta texto bonito, legítimo, verossímil, pertencente à realidade de todos nós, pais de verdade. Só achei que literariamente a imagem do pássaro crescendo e ganhando asas e voando tá batida. Como literatura. (sou um chato cri-crítico, hem...) Como vida, não. Bate na gente.
Muito forte. Convincente.
Beijo.
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