Daquela vez entardecia, quando te me dei meu último grito. Ensaiamos tantas vezes a última, e eu ainda tentava. Braço erguido na vastidão do mar eu, que só sei do mar, não braceava. Todo o corpo afundado, a mão que era só resto pedia um socorro cheio de desistências, um socorro ilógico de quem se deixa vencer e o pedido é para não morrer desacreditado. Era final da tarde e sempre me amavas, nas redes das tardes. E sempre me recebias, as pálpebras ainda cerradas, na primeira imagem das manhãs. E sempre me aconselhavas o almoço e sempre me pedias cuidado nas ruas. Não desta vez: o dia se terminava e nós nos afogávamos em pedras que não erguiam sequer uma montanha, quanto menos ocultavam o que fôramos. Mas não me estendias a corda. Não sei se, eu mesma, a queria. Não sei se ainda sabia a quem estava a pedir a salvação. Sequer sabia se existia, no final de tudo, esta redenção que traz de volta os passados mais bonitos. Porque eles, os passados, já não existem e nós jamais seremos o que escolhemos para nós. Aprendi a aceitar que, sendo a vida, a vida possível, então, não preciso salvamentos. Tampouco redenções. Prefiro o mar.
terça-feira, março 21, 2006
Redenções
Daquela vez entardecia, quando te me dei meu último grito. Ensaiamos tantas vezes a última, e eu ainda tentava. Braço erguido na vastidão do mar eu, que só sei do mar, não braceava. Todo o corpo afundado, a mão que era só resto pedia um socorro cheio de desistências, um socorro ilógico de quem se deixa vencer e o pedido é para não morrer desacreditado. Era final da tarde e sempre me amavas, nas redes das tardes. E sempre me recebias, as pálpebras ainda cerradas, na primeira imagem das manhãs. E sempre me aconselhavas o almoço e sempre me pedias cuidado nas ruas. Não desta vez: o dia se terminava e nós nos afogávamos em pedras que não erguiam sequer uma montanha, quanto menos ocultavam o que fôramos. Mas não me estendias a corda. Não sei se, eu mesma, a queria. Não sei se ainda sabia a quem estava a pedir a salvação. Sequer sabia se existia, no final de tudo, esta redenção que traz de volta os passados mais bonitos. Porque eles, os passados, já não existem e nós jamais seremos o que escolhemos para nós. Aprendi a aceitar que, sendo a vida, a vida possível, então, não preciso salvamentos. Tampouco redenções. Prefiro o mar.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
6 comentários:
socorro!!! ainda que não haja, assim mesmo: socorro. o que é capaz de eu te dizer, quando não me vêm palavras? admiro-te, construtora de literatura.
O melhor dos mundo possíveis é esse. E salvamento pra que? O melhor é ficar vagando..vagando...
Adoro o que vc escreve, CeciLia.
Bjs
Talvez nunca sejamos o que escolhemos. Talvez. Uma possibilidade. Mas é necessário escolher.
Estarás certa?...
Abraços de Belém!
Você é fantástica! Como você exerce o domínio sobre as palavras!!! Muito bom de te ler: lindas evocações, sem ser pedante (como o são alguns escritores muito bons). Gostei. É trecho de livro, já? Hmmm...
passando aqui com muita pressa, volto com calma, textos muito intensos para minha falta de tempo :)
beijo
rubens
belos... ambos: foto e texto...
um abraço!!
Postar um comentário